Levantamento do RJ2 identificou sete pessoas que são pagas mensalmente, ganhando até mais que deputados estaduais, mas raramente aparecem na Assembleia do RJ.
Por Raphael Nascimento, Bruno Sponchiado, Diego Alaniz, Guilherme Boisson e Pedro Figueiredo, RJ2 – 03/12/2019 20h24
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Um levantamento exclusivo feito pelo RJ2 e exibido nesta terça-feira (3) indica que, dos maiores salários da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), pelo menos sete são pagos mensalmente a servidores que mal aparecem para trabalhar.
Alguns ganham até mais que deputados e moram a muitos quilômetros do Palácio Tiradentes, que fica no Centro do Rio. Como mostrou o RJ2, tem até servidor que vive em outro país, nos Estados Unidos.
Em quase três meses de apuração, o telejornal tentou encontrar esses servidores na Alerj. Foram várias visitas e centenas de telefonemas. Mas nenhum deles foi encontrado.
As equipes de reportagem, então, foram atrás desses servidores e percorreram mais de 1,2 mil quilômetros, passando por várias cidades do estado.
Morando fora
Desde janeiro, Marli Regina de Souza Costa realizou o sonho de muitos brasileiros: morar fora. A família está vivendo em Orlando, na Flórida, nos Estados Unidos. E, como mostrou o RJ2, não faltam registros do novo estilo de vida.
Enquanto isso, a casa da família dela no Rio de Janeiro está vazia, fechada e passando por obras. Mas há um detalhe: ao mesmo tempo em que Marli curte a vida no exterior, o salário dela como servidora da Alerj segue sendo pago regimentalmente.
Em outubro, por exemplo, Marli recebeu R$ 23 mil líquidos pagos com dinheiro público. Como servidora efetiva da Alerj, ela deveria trabalhar no gabinete do deputado Thiago Pampolha (PDT). Só que quem trabalha lá nem sabe quem é Marli.
Família tradicional
Marli Regina de Souza Costa faz parte de uma família tradicional da Alerj. Ela é casada com o ex-deputado José Nader Júnior.
O pai dele também foi deputado e presidente da Alerj entre 1991 e 1995. Depois, virou conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Atualmente, as publicações nas redes sociais mostram José Nader Júnior e a esposa nos Estados Unidos. Em um vídeo, Marli aparece comemorando no exterior a vitória do Flamengo na Libertadores.
O problema é que na Alerj não há ponto eletrônico. Os funcionários preenchem fichas e quem supervisiona o trabalho nos gabinetes são os próprios deputados. No caso de Marli, o chefe dela é o deputado pedetista Thiago Pampolha.
E ela não é a única da família que recebeu sem trabalhar. O RJ2 foi até uma rua de luxo em Barra Mansa, no Sul do estado, onde mora Luiz Fernando Nader, outro filho do ex-presidente da Alerj José Nader.
Assim como a cunhada, Luiz Fernando recebeu R$ 23 mil líquidos no salário de outubro. E também é difícil encontrá-lo no gabinete onde ele deveria trabalhar, na Alerj.
Oficialmente, Luiz Fernando Nader está lotado no gabinete de Renato Cozzolino (PRP), mas é mais fácil encontrar o servidor em Barra Mansa. O homem pode ser achado no escritório da empresa Saider, da família Nader, e que ele administra. A companhia é de aluguéis de caminhões.
A 120 quilômetros da Alerj.
O RJ2 conseguiu encontrar Luiz Fernando em Pinheiral, cidade vizinha a Barra Mansa, numa terça-feira às 10h, em pleno horário de trabalho. Pinheiral fica a 120 quilômetros de distância da Alerj.
A equipe de reportagem também telefonou para o gabinete de Renato Cozzolino para procurar por Luiz Fernando Nader e o irmão dele, Rubem Carlos Nader, que deveria trabalhar no mesmo setor. Nenhum dos dois foi encontrado.
A equipe também foi ao endereço de Rubem Carlos Nader, em Copacabana, na Zona Sul do Rio. Um homem que não se identificou atendeu o interfone, mas desligou em seguida sem responder às perguntas dos produtores.
Dificuldade não é de hoje
A dificuldade pra achar os membros da família Nader na Alerj não é de agora. Em 2012, o repórter André Trigueiro também não encontrou nenhum dos dois no gabinete do então deputado Rafael do Gordo, onde ambos trabalhavam na época.
O RJ2 foi, então, atrás do atual chefe dos irmãos Nader, que é um primo de Cozzolino, mas teve dificuldades de encontrá-lo nos corredores do Palácio Tiradentes.
Fernando José Cozzolino recebeu, em outubro, mais de R$ 30 mil. Ele trabalha no departamento de comissões parlamentares de inquérito e comissões especiais da Assembleia como secretário de comissão.
Cozzolino é o responsável pela comissão de representação que acompanha os trabalhos do novo autódromo, presidida pelo deputado Carlo Caiado, do Democratas.
Até agora, a comissão só seu reuniu duas vezes no ano: uma em junho para a instalação do grupo e outra semana passada, para uma audiência pública.
Mas funcionários do gabinete de Carlo Caiado contaram sem gravar entrevista que todos os ofícios, convites e a organização da audiência pública foram feitos por outra funcionária.
Tarefa difícil
O RJ2 tentou encontrar Fernando no setor onde ele está lotado. Foi mais fácil, porém, encontrá-lo em Magé, na Baixada Fluminense. Segundo a Receita Federal, Fernando Cozzolino é um dos sócios de uma escola no bairro do Fragoso.
O RJ2 esteve numa segunda-feira no bairro. A irmã e sócia dele, Conchita, disse que ele tinha ido ao Centro da cidade “resolver problemas”.
Na semana seguinte, a equipe de reportagem encontrou Fernando Cozzolino em Magé, na porta da escola dele. O servidor negou as acusações.
Cozzolino, no entanto, teve que fazer um esforço pra lembrar a comissão pra qual trabalha.
Sul do estado
Em direção ao interior do estado, o RJ2 foi Valença, no Sul fluminense. A cidade fica a 160 quilômetros da Assembleia Legislativa. São mais de três horas de carro sem trânsito.
Uma distância e um tempo grandes pra ir e voltar do trabalho todos os dias
É nesta casa que mora Theodorico Garcia Palmeira, especialista legislativo com salário de quase R$ 25 mil. Ele deveria trabalhar no gabinete do deputado Dionísio Lins, do Progressista.
A equipe de reportagem bateu na porta de Theodorico numa terça-feira, pouco antes das 18h. O próprio Theodorico recebeu o RJ2, mas fugiu e fechou a porta.
Norte do estado
De Valença pra Campos dos Goytacazes, no Norte do estado, a 280 quilômetros da Alerj, mora outro funcionário da Assembleia de sobrenome conhecido no mundo político. Mais um servidor difícil de encontrar nos corredores do Palácio Tiradentes.
Apesar de receber como especialista legislativo, Ricardo Dauaire, conhecido como Cacá, costuma bater ponto no estacionamento administrado por ele no Centro de Campos. Em outra garagem da família, um funcionário explicou que é fácil encontrar Cacá em um dos dois estacionamentos em Campos.
No prédio onde ele mora, o RJ conseguiu falar com Cacá pelo interfone. Mas ele se recusou a descer pra dar entrevista. A equipe também procurou Ricardo Dauaire também no restaurante da esposa dele – mas ele não estava.
Ricardo Dauaire é tio do deputado Bruno Dauaire, líder do PSC, o partido do governador Wilson Witzel, na Assembleia. Mas ele não faz parte da equipe do gabinete do sobrinho, e sim, da de Rosenverg Reis, o líder do MDB.
O homem recebeu, em outubro, quase R$ 19 mil líquidos e não apareceu na Alerj.
Salário maior do que o de deputados
Carlos Henirque Lancelotti Aranha recebe R$ 25 mil em outubro, mais do que deputados da Alerj. Ele já foi diretor do Departamento Gráfico da Casa.
Em 2000, Lancelotti chegou a receber uma moção de louvor dos próprios deputados pelo trabalhado realizado naquele departamento.
Quase vinte anos depois, Lancelotti mudou de função, de setor e hoje trabalha no Departamento de Apoio às comissões permanentes. O RJ tentou falar com ele nas primeiras semanas de novembro.
Na semana seguinte, a equipe de reportagem foi até a casa dele, num condomínio da Taquara, Zona Oeste do Rio;
Ele estava em casa às 16h. E, sem saber que estava sendo filmado, afirmou que estava de folga naquela semana por causa de um rodízio de fim de ano em novembro.
Alerj nega irregularidades
Mesmo com todas as denúncias mostradas na reportagem, a Alerj negou que os funcionários das comissões não trabalhem na Casa.
No entanto, a Assembleia afirmou que os casos específicos mostrados na reportagem são de responsabilidade dos deputados, pois eles atestam a frequência dos funcionários de seus gabinetes.
Sobre o Carlos Henrique Lancelotti Aranha – encontrado em casa – a Alerj afirmou que ele atua diariamente no Departamento de Apoio às Comissões Permanentes, em escala de horário definida pelo setor, e tem mais de 30 anos de casa.
O mesmo tempo de serviço tem Fernando Cozzolino, que também exerce suas funções em horário definido pelo setor de apoio às CPIs.
A Assembleia informou, ainda, que os dois servidores têm salários determinados por legislação específica, compatíveis com o tempo de serviço.
A Alerj ressaltou que, se for comprovado o não exercício da função dentro das normas estabelecidas pela administração da Alerj, os servidores vão responder a processos administrativos, podendo ser exonerados e devolver salários.
O RJ2 não conseguiu entrar contato com a servidora Marli Souza, que vive na Flórida.
Depois da abordagem, a assessoria do deputado Thiago Pampolha afirmou que Marli Souza esteve de licença especial entre fevereiro e maio. E que entre junho e setembro tirou quatro férias consecutivas.
Disse, ainda, que ela está entrando agora com o pedido de mais mais duas licenças especiais a que tem direito. Mas eles não explicaram por que Marli estava fora do país em janeiro, outubro e novembro, e recebeu salários nestes meses sem trabalhar.